O mundo capitalista vem evoluindo constantemente e, do mesmo modo, as relações sociais, resultando em enormes conglomerados econômicos movidos por um consumismo desenfreado. Nesse aspecto, surge o chamado Código de Defesa do Consumidor – CDC -, formalmente constituído através da Lei 8.078/90, visando atender princípios constitucionais relacionados à ordem econômica.
O CDC tem em sua essência princípios próprios e específicos, tais como o da vulnerabilidade do consumidor e harmonização dos interesses baseados na boa-fé, visando disciplinar as relações de consumo em prol do consumidor, pois entende-se que este é mais vulnerável numa relação.
Surge uma relação de consumo quando presentes um consumidor, um fornecedor e um negócio jurídico. Fato é que, nestas relações jurídicas, o consumidor merece melhor proteção em decorrência da sua própria condição de parte mais fraca na relação.
Nascida a relação de consumo, automaticamente o consumidor estará protegido pelo CDC e, quando esbarrado em algum problema, seja ele um fato ou um vício de produto ou serviço, deve haver o dever de responsabilização civil por parte do fornecedor a fim de parar e reparar aquele dano.
Entende-se como vício a característica de qualidade ou quantidade que torna um produto ou serviço impróprio ou inadequado ao consumo. Já defeito está além, é um vício mais grave, quando o vício causa danos ao patrimônio jurídico material, moral, estético, ou à imagem do consumidor, ou seja, de fato “fere” alguém.
Conceito de fornecedor
O art.3º do CDC diz que “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, em como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Isso quer dizer que o fabricante, o distribuidor, o produtor, o transportador, o distribuidor, dentre todos o os outros, fazem parte da relação de consumo. O fornecedor-equiparado, como assim denomina aqueles que participam indiretamente da relação, também são abarcados pela responsabilidade civil. Fornecedor-equiparado é aquele intermediário (o comerciante, por exemplo). Não fabricou ou produziu o produto, mas intermediou a relação e auferiu lucros por ser atividade empresarial. Neste caso, a responsabilidade pode ser cobrada de mais de um fornecedor, já que todos que participam da cadeia de fornecimento respondem solidariamente perante o consumidor.
Conceito de consumidor
Consumidor, assim definido no art. 2º do CDC é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Trata-se da pessoa física ou jurídica que adquire um produto ou serviço que passou por todas as etapas da cadeia econômica, ou seja, é o destinatário final do produto ou serviço. Exclui-se do conceito de consumidor aqueles que adquirem um produto ou serviço que integrem a atividade econômica da pessoa, ou seja, quando alguém compra alguma matéria-prima para sua empresa, por exemplo.
O consumidor é aquela pessoa que adquire um bem e realiza o ato de consumir, ou seja, destrói, consome, desgasta fisicamente a coisa.
CDC e as Teorias Finalistas, Maximalistas e Finalismo Aprofundado
No Brasil, o entendimento majoritário era o de prevalência da Teoria Finalista sobre a definição de consumidor, ou seja, trata o consumidor como o destinatário final do bem ou serviço, seja a pessoa física ou jurídica.
No entanto, importante referir que, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, surge o denominado finalismo aprofundado. Trata-se de uma nova jurisprudência, com participação especial do STJ, no sentido de que, em casos difíceis, envolvendo empresas pequenas que utilizam insumos para sua produção, poderá ser aplicado o CDC e considerar tais empresas como consumidoras, mesmo que tal insumo não seja utilizado como destino final e que tal insumo integre sua cadeia de produção. O aspecto principal aqui é a vulnerabilidade destas pequenas empresas face às grandes empresas do mercado.
O grande desafio da interpretação e aplicação do CDC é conseguir identificar quando uma relação jurídica entre privados permitirá a identificação de quem comercializa um produto ou serviço daquele que consome ou usa daquele serviço. Um civil frente a outro civil será uma relação estritamente civil. Um civil frente a um empresário, será uma relação de consumo. Já um empresário frente a um empresário, surgirá uma relação empresarial ou, dependendo do caso (produto ou serviço), poderá surgir uma relação de consumo.
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor é, tradicionalmente, concentrada na definição natural da relação de consumo, ou seja, os conceitos padrões de consumidor, fornecedor, produto, serviço e, principalmente, o elemento “destinação final”. Ou seja, tem-se a Teoria Finalista quando o consumidor está conceituado como destinatário final, usuário final daquele bem ou serviço, retirando-o do mercado.
Para a teoria finalista, pioneira no consumerismo, destinatário final é quem, de fato, irá retirar o produto do mercado de forma que não tenha lucro posteriormente (inserindo-o na sua cadeia de produção, por exemplo), seja ela pessoa física ou jurídica. Não basta a pessoa ser a adquirente do produto ou serviço, apenas retirando-a do mercado, se faz necessário que o destinatário final econômico do bem não adquira um produto para revendê-lo, tampouco para uso profissional como instrumento de trabalho. A título de exemplo, como uma forma de destinação para uso profissional, quando uma empresa ou pessoa integraliza valores no preço final de seu produto ou serviço, pois, assim, este bem seria novamente um consumo para fins de produção.
A teoria maximalista, diferentemente da restrição imposta pela teoria finalista, tem na sua essência a necessidade de incluir o maior número possível de pessoas, abrangendo, portanto, os consumidores profissionais. A aplicação do CDC seria geral sobre o consumo, pouco importando se a pessoa for física ou jurídica, tampouco se irá adquirir o produto ou serviço para fim próprio ou se irá incluir na sua cadeia de produção. O conceito de destinatário final seria o destinatário fático do produto, ou seja, aquele que retira o bem do mercado para utilizar como bem entender. Toda a pessoa que comprar um produto de um fornecedor está, na visão da teoria maximalista, automaticamente no lado mais vulnerável da relação, logo é consumidora.
No entanto, doutrinadores do Direito defendem que a teoria maximalista transforma o direito do consumidor em um direito privado geral, retirando quase a totalidade de relações jurídicas do código civil, levando-as para a relação de consumo, trazendo a dúvida do “por que proteger o comprador-profissional? Por que proteger um fornecedor frente a outro fornecedor? As relações entre iguais estão bem regulamentadas pelo Código Civil de 2002”.
A partir da discussão de quais teorias se enquadram mais no Direito brasileiro, surgiu o denominado finalismo aprofundado, uma espécie de fusão entre as duas teorias. Há a consideração da vulnerabilidade como o elemento mais relevante para a caracterização da relação de consumo, deixando de lado a discussão da presença ou não de um destinatário final fático e econômico.
Assim, o finalismo aprofundado permite que o critério da vulnerabilidade seja aplicado em casos mais complexos, em que se examina se o bem adquirido se caracteriza como insumo ou irá compor a cadeia produtiva da pessoa jurídica, bem como se verifica se esta, está caracterizada como consumidora, se possui vulnerabilidade, seja ela técnica, fática, jurídica ou informacional.
Encontrada uma destas hipóteses, tem-se então a aplicação da teoria finalista aprofundada e, logo, o direito daquela pessoa jurídica ser considerada consumidora, podendo utilizar-se do Código de Defesa do Consumidor para reaver seus direitos e indenizações diante de um produto com vício ou defeito.
Escrito por:
Maurício Noronha, advogado, atuante na área de Direito Empresarial, no escritório Raul Bergesch Advogados. Maurício está no Instagram como @mauricionoronha.adv.