Uma sociedade empresarial nada mais é, em termos jurídicos, do que uma reunião de pessoas com o objetivo de exercer profissionalmente uma atividade econômica de forma organizada, cujo fim é a produção ou circulação de bens ou serviços.
Também cabe lembrar que nem toda sociedade é uma empresa, já que uma sociedade pode ser entendida como uma reunião de pessoas, para qualquer fim que seja, assim como nem toda empresa é uma sociedade, já que pode haver empresas com apenas um único sócio.
Considerando que em uma sociedade empresarial se busca um fim econômico, entende-se que esta visa o lucro. Logo, o lucro deve ser distribuído entre todos os seus sócios. Dessa forma, vem à mente a distribuição de quotas sociais e, geralmente, distribuição dos lucros conforme divisão do capital social, já que a regra geral do Código Civil é que cada sócio participe dos lucros e perdas conforme sua participação no capital social.
A participação nos lucros de uma sociedade pode ser considerada um dos principais direitos de um sócio ou acionista, de modo que o direito à participação nos lucros é intrínseco à própria qualidade de sócio.
Uma das possibilidades que o Código Civil nos traz, mais especificamente em seu art. 1.007, diz que “salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas (…)”, trata justamente de uma das formas de distribuição dos lucros auferidos por uma sociedade empresarial, de forma que os sócios poderão receber lucros de forma desproporcional à participação de cada sócio no capital social, desde que todos os sócios recebem alguma parcela do lucro.
O artigo 1.008 do Código Civil determina que todos os sócios devem participar dos lucros e perdas da sociedade empresarial, sendo nula qualquer estipulação, contrato ou outro acordo que exclua qualquer sócio destas participações.
Para exemplificar uma distribuição desproporcional, imagine uma empresa familiar, onde um sócio possui 80% do capital social e o outro detenha 20% das quotas. No entanto, o sócio minoritário, neste exemplo, trabalha muito mais do que o sócio majoritário, que pode ter sido apenas um investidor que aportou verbas para viabilizar o negócio, deixando toda a mão de obra para o sócio minoritário.
Assim, seria injusto haver a distribuição de lucros conforme o capital social. Portanto, podem os sócios, de comum acordo, estipularem que cada sócio receberá metade dos lucros, independentemente da distribuição do capital social.
Outro exemplo pode ser a utilização da distribuição desproporcional para compensar, entre os sócios, algumas outras obrigações pecuniárias e financeiras contratadas entre eles. Supondo, por exemplo, que algum sócio invista valores financeiros na empresa, seja para capital de giro, seja para investimento em patrimônio, ou qualquer outro. Ao invés de realizarem alteração contratual para aumento do capital social, os sócios podem deliberar que, dado o investimento financeiro aportado por um dos sócios, este terá, na próxima (ou quando bem entenderem), direito à uma fatia maior da distribuição dos lucros, justamente por ter sido o investidor temporário para determinada situação.
Isso é uma distribuição desproporcional ao capital social: a distribuição dos resultados (lucro ou perda) de forma desigual à participação dos acionistas no capital social da sociedade empresarial.
Para que isso ocorra de forma tranquila e transparente para com a empresa e demais sócios, é importante que eventual distribuição desproporcional de lucros esteja disposta no contrato social.
Não há necessidade de já se estipular quanto cada sócio terá direito, apenas a menção de que, em determinadas situações, os sócios permitem e concordam que haja a distribuição desproporcional.
O percentual específico, para cada situação, poderá ser realizado mediante Acordo de Sócios, assinado entre todos os sócios, cujo documento original ficará arquivado na própria sede da sociedade empresarial.
No entanto, diferentemente do que ocorre nas sociedades limitadas, que são regidas pelo Código Civil, nas sociedades anônimas, ou sociedades por ações (regidas pela Lei nº 6.404/76 – Lei das SAs), a lei prevê expressamente que as ações de mesma classe devem conferir direitos iguais aos seus titulares, além de prever uma distribuição mínima obrigatória dos lucros.
Diferente das sociedades empresariais limitadas, que possuem um contrato social, as sociedades anônimas possuem um estatuto social, onde especifica que em cada exercício, a empresa deverá distribuir uma parcela do lucro a título de dividendo obrigatório, que pode ser fixado com base em um percentual sobre o lucro, sobre o capital social, ou outros critérios escolhidos entre os acionistas. Se o estatuto for omisso, prevalecerá a regra de distribuição obrigatória equivalente à metade do lucro líquido ajustado.
Assim, a regra geral é que cada ação da mesma natureza conferirá ao seu titular igual proporção de distribuição, assegurando dividendos iguais aos acionistas possuidores da mesma classe de ação.
Uma alternativa para eventual distribuição desproporcional é a criação de ações de classes distintas, como as ações preferenciais, por exemplo, que conferem aos seus titulares, conforme o art. 17 da LSA, dividendos maiores, que podem ser garantidos por um valor fixo ou mínimo.
No entanto, lembrem-se que se uma sociedade anônima desejar ter apenas ações nominativas, não há qualquer obrigatoriedade em criação de outros tipos de ações. Assim, sendo apenas ações nominativas, a distribuição deve ser proporcional à quantidade de quotas de cada acionista.
Havendo criação de ações preferenciais, por expressa previsão legal, estas deverão conferir pelo menos umas das seguintes preferências ou vantagens: (i) direito a participar de uma parcela correspondente a, no mínimo, 25% do lucro líquido do exercício; (ii) direito de receber dividendos pelo menos 10% maior do que o atribuído às ações ordinárias e (iii) direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias. Contudo, ações preferenciais não dão direito à voto nas assembleias da sociedade anônima.
Portanto, entende-se pela análise acima que a distribuição dos dividendos de forma desproporcional nas sociedades anônimas é plenamente possível, desde que haja uma combinação entre o correto uso das ações preferências com vantagem patrimonial (de uma ou mais classes) com a elaboração minuciosa e precisa das normas estatutárias que disponham sobre a distribuição dos dividendos.
Por fim, percebe-se que a distribuição desproporcional de lucros de uma sociedade empresarial limitada tende a ser mais fácil e benéfica aos sócios, desde que expressamente acordado entre eles, algo que o CARF já tem decidido reiteradamente pela sua possibilidade.
Isso possibilita que alguns contribuintes possam elaborar um planejamento tributário, considerando que, até hoje, a distribuição de lucros é isenta de tributação, já que o lucro é tributado diretamente na empresa. Essa operação já fora analisada pelo CARF e foi considerada lícita, cuja decisão resultou no seguinte:
“Desta feita, não pode prosperar o entendimento do Fisco de que a distribuição de dividendos tem que ser proporcional à participação societária de cada sócio no capital social, eis que compete aos próprios sócios deliberarem sobre este assunto”. (CARF, Processo nº16561.000025/200772, Recurso nº 165.451, Acórdão nº 110200.157,– 1ª Câmara / 2ª Turma Ordinária)”.
Escrito por:
Maurício Noronha, advogado, atuante na área de Direito Empresarial, no escritório Raul Bergesch Advogados. Maurício está no Instagram como @mauricionoronha.adv.