Nessa semana recebi uma postagem de um amigo médico, cliente de longa data, que estava apavorado porque uma blogueira, uma micro influenciadora, fez uma postagem incentivando as pessoas a processaram os seus médicos. E essa postagem gerou rebuliço nos grupos médicos em que ele participava, um misto de raiva, com preocupação.
O post vinha em defesa absoluta dos pacientes, independente da conduta ou do atendimento do médico.
Então resolvi me posicionar sobre isso, e mostrar para você, médico, que não precisa ficar aterrorizado, mas sim que você deve se blindar.
É notável que a cada ano a quantidade de processos judiciais contra médicos aumentam. Estive verificando as estatísticas do Conselho Nacional de Justiça, e me deparei dados assustadores!
Em 2015 o número de ações ajuizadas buscando indenizações por erro médico foi de 38.810.
No entanto, o último relatório apresentado pelo CNJ, de 2019, informa que o número de ações anuais quase triplicou, só no ano passado foram ajuizadas 107.612 ações indenizatórias contra médicos.
O número crescente de processos judiciais contra médicos decorre de dois aspectos, ao meu ver.
O primeiro é pela facilidade de acesso ao judiciário. Atualmente é muito fácil que se consiga a gratuidade de justiça, de modo que é possível propor uma ação judicial, pedindo o que quiser, sem qualquer tipo de custas iniciais ou risco de pagar honorários advocatícios no final do processo.
Isto favorece as ações kamikazes, em que o autor alega uma determinada situação e faz pedidos indenizatórios contra o médico.
Durante o processo, por vezes se tem a necessidade de perícia técnica, e por vezes ela é desconsiderada, e a decisão é tomada por um juiz, que na grande maioria das vezes desconhece os procedimentos médicos que foram adotados.
Ou seja, no judiciário, ao contrário do que ocorre na esfera administrativa, quando a conduta médica é avaliada por profissionais da mesma área, em processo judicial isso não ocorre.
Então verificamos sentenças de todos os tipos e forma.
Por exemplo: Os filhos de uma senhora de 80 anos, que faleceu por complicações pós-operatórias, processaram o médico que realizou a cirurgia justamente pelo falecimento da mãe, alegando danos morais. E a sentença foi favorável a eles, com a condenação de uma indenização gigantesca de 100 mil reais. Por sorte o advogado que atuava na defesa do médico recorreu, e a sentença foi reformada, pois não havia nenhuma prova acerca da culpa do profissional no falecimento daquela senhora, que na verdade já possuía diversas comorbidades que agravaram seu caso, bem como a idade avançada.
O segundo aspecto é o uso da internet. O paciente usa e abusa das pesquisas online para buscar o que é o certo e o que é o errado. Em alguns casos, já inicia a consulta com um pré-diagnóstico. E a partir daí cria a sua própria interpretação sobre o procedimento que foi aplicado, entendendo, erroneamente, que sofreu um erro médico.
Inclusive, em uma busca rápida no Google sobre o termo “erro médico” aparecem diversas pesquisas correlatas relativas a processos judiciais, exemplos: “como processar o meu médico? ”, “quanto tempo tenho para processar um médico? “quanto tempo demora um processo de erro médico”, entre outras.
A partir disso, já está em caminho de litígio, não acatando mais as orientações, procedimentos ou instruções relacionadas ao procedimento realizado. E a partir disso, procura outro colega médico e um advogado mal intencionado, e está aberto o processo judicial.
A propósito, vale destacar ainda algumas consequências administrativas, que podem ir de simples advertências ou censuras, até a suspensão ou cassação definitiva do exercício profissional.
Logicamente que erros médicos podem acontecer. Todavia, nem toda a complicação causada por um procedimento é oriundo de um erro médico, e isso precisa ficar claro.
Por causa disso, oriento aos meus clientes médicos que eles se blindem. O primeiro passo é mapear os riscos de sua área, e a partir disso tomar as medidas jurídicas necessárias para ou eliminar os riscos, ou para reduzi-los ao máximo.
Se você é médico, vou compartilhar alguns conselhos:
1. Utilizem termos de consentimentos completos e claros, que possibilitem ao paciente entender os riscos aos quais está sujeito.
Já me deparei com casos em que o termo de consentimento era genérico, e por isso foi declarado nulo pelo judiciário. Já me deparei com casos em que a desorganização e perda de documentos de um procedimento realizado há mais tempo complicou, e muito, a defesa em um processo. E, ainda, termos que de tão abusivos, geraram direito a danos morais.
2. Separe o seu patrimônio operacional do não operacional.
Aconselho que seja aberta uma holding patrimonial para colocar o seu patrimônio não operacional, isto é, imóveis, investimentos e outros bens que não tem relação ao seu negócio, criando uma separação evidente.
Isso evita complicações em virtude de bloqueios judiciais, que podem impossibilitar o profissional de alienar o seu patrimônio ou movimentar recursos financeiros.
Desta forma, é possível limitar os riscos em relação aos bens que não possuem relação à sua atividade.
3. Que tenha um seguro de responsabilidade civil contratado.
Devo destacar que o seguro controla os riscos. Todavia, ao contrário do que se pensa, existem inúmeras hipóteses excludentes, em que a seguradora nega a cobertura.
Por isso é importante que se conheça o seguro que foi contratado, e o que ele cobre. Alguns cuidados devem ser tomados, especialmente em relação às informações compartilhadas antes da contratação.
4. Quando ocorrer um litígio com o paciente, que se tenha o acompanhamento de um advogado especializado, do início ao fim.
A conduta praticada no início do litígio pode, por muitas vezes, resolver a questão.
Já vi casos em que o médico deixou de dar atenção suficiente ao processo administrativo que recebeu junto ao CRM, e sofreu sérias consequências no processo judicial que ocorreu logo após a finalização do julgamento em esfera administrativa.
Portanto, o maior conselho, que vale para empresários, médicos e qualquer outro tipo de profissional, é de que mapeando os riscos, dos mais remotos, aos mais presentes, e agindo de forma antecipatória, podemos afastar prejuízos e complicações.
Sou crítico de uma fórmula que muitos se vangloriam de dizer publicamente: eu já fali X vezes, e agora venci! Oras, por que falir é nobre? Por que ter que errar e errar, e errar de novo, para aprender? Ao meu ver, caminhar por um caminho mais tranquilo, e vencer, é melhor.
Escrito por:
Raul Bergesch, advogado e diretor, atuante na área de Direito Empresarial, no escritório Raul Bergesch Advogados. Raul está no Instagram como @raulbergesch.