Inicialmente, cabe ressaltar que na usucapião, de maneira simples, o tempo é o principal fator que determina a possibilidade de aquisição do direito.
Portanto, a usucapião é o modo de aquisição da propriedade de bens móveis ou imóveis pelo exercício da posse durante certo período de tempo. As espécies de usucapião existentes são: extraordinária, ordinária, especial urbana, especial rural, coletiva ou familiar.
Destaco que, conforme previsão da Constituição Federal, no parágrafo único do artigo nº 191, os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Apesar de ser bastante popular, o procedimento da usucapião é extremamente burocrático, ainda que, com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, foi admitida a sua tramitação na esfera extrajudicial, que, em tese, veio para facilitar e agilizar o procedimento, na prática não é o que se percebe.
A lei estabelece fortes requisitos para que a pessoa possa adquirir a propriedade do bem por usucapião, por se tratar de um modo originário de aquisição de propriedade, não ocorre a transmissão dessa propriedade de um antigo para um novo proprietário. Portanto, a única transferência que se identifica é a de uma situação de fato (posse) para a de direito (propriedade).
E essa rigidez nos requisitos se dá pelo fato de que ao mesmo tempo em que alguém recebe a propriedade em virtude do tempo de posse, há também, por parte daquele que sofre a ação de usucapião, a perda da propriedade, por isso, o que quis o legislador ao definir esses requisitos, foi proteger todas as partes envolvidas na demanda.
Desse modo, serão objetos de abordagem neste artigo as espécies de usucapião previstas no ordenamento jurídico brasileiro e as suas especificidades. Ficou interessado? Então leia com atenção!
1. Usucapião extraordinária
A primeira espécie de usucapião trazida pela legislação brasileira é a extraordinária, prevista no artigo 1.238 do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.”
“Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”
Os seus requisitos são: inexistência de oposição à posse, “animus domini”,ou seja, ter a posse da coisa com a intenção de ser dono, e posse ininterrupta por 15 anos.
Nessa modalidade de usucapião não há necessidade de apresentação de justo título (Ex: contrato particular de compra e venda) ou de boa-fé, pois aqui, a presença desses elementos é presumida.
Para que possa ser requerida a usucapião extraordinária é necessário que a pessoa demonstre que possua a posse mansa e pacífica em relação ao proprietário do imóvel, há, pelo menos, 15 anos. Mas, se o bem for utilizado como moradia habitual ou para realização de obras ou serviços de caráter produtivo, tais como plantações, esse prazo diminui para 10 anos.
Portanto, ressalto, que qualquer imóvel particular, seja urbano ou rural, pode ser objeto de usucapião, desde que, obviamente, preencha os requisitos legais.
2. Usucapião ordinária
Os requisitos da usucapião ordinária são muito semelhantes aos da extraordinária, quais sejam: inexistência de oposição à posse, “animus domini”, ou seja, ter a posse da coisa com a intenção de ser dono e posse ininterrupta por 10 anos. Porém, nesta modalidade, há necessidade da apresentação do justo título e da boa-fé, conforme previsão do artigo nº 1.242 do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.”
“Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”
Aqui o prazo para aquisição da propriedade é de 10 anos, mas, existe a possibilidade desse prazo ser reduzido para 5 anos em uma hipótese bem específica, vejam: se o imóvel foi adquirido onerosamente, com base em registro no cartório competente posteriormente cancelado, e somente caso os possuidores tiverem estabelecido moradia ou realizado investimentos de caráter social e econômico no imóvel.
3. Usucapião especial urbana
A usucapião especial urbana está prevista no artigo nº 183 da Constituição Federal, artigo 9º da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e no artigo nº 1.240 do Código Civil, que disciplinaram sobre tal modalidade de usucapião, estabelecendo este último que:
“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
“§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.”
“§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.”
Os requisitos para a usucapião especial urbana são, portanto, área urbana máxima de 250m², a utilização como moradia, a posse mansa, pacífica e sem oposição pelo prazo de 5 anos e também o requerente não pode possuir outro imóvel em seu nome.
Apesar de possuir um lapso temporal menor, essa modalidade de usucapião possui limitações na destinação e no tamanho do imóvel, além de só poder ser aduzida uma única vez.
4. Usucapião especial rural
A usucapião especial rural encontra amparo legal no artigo nº 191 da Constituição Federal e no artigo nº 1.239 do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.”
Esta modalidade acolhe o possuidor que há mais de cinco anos lavra a terra e nela mora com a família, dando inequívoca finalidade social ao bem, mas, a área rural a ser usucapida não pode ser superior a cinquenta hectares.
Além disso, ela é muito semelhante à usucapião especial urbana, com a diferença de que não existe a limitação de poder ser reconhecida apenas uma vez.
5. Usucapião coletiva
A usucapião coletiva é voltada para a população mais vulnerável, com uma renda mais baixa e está definida no artigo nº 10 da Lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade:
“Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.“
É necessário que haja a posse ininterrupta pelo prazo de 5 anos e não pode ser possível identificar qual é o terreno ocupado por cada um dos possuidores, e estes não podem ser proprietários de outros imóveis.
6. Usucapião familiar
Essa espécie também é conhecida como usucapião por abandono de lar. É uma previsão específica em caso de divórcio/separação, havendo o abandono do lar por um dos cônjuges ou companheiros e possui previsão legal no artigo nº 1.240-A do Código Civil:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
“§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.”
O que chama atenção aqui é o tempo de posse, que é de apenas 2 anos. Mas, para se caracterizar a perda da propriedade do bem imóvel por meio da usucapião familiar, não basta a simples “separação de fato”, sendo imprescindível que o ex-cônjuge ou ex-companheiro tenha realmente abandonado o imóvel e a família.
Essa modalidade de usucapião tem dois objetivos: resguardar o direito à moradia daquele cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel e também proteger a família que foi abandonada.
7. Procedimento: judicial ou extrajudicial?
O procedimento judicial costuma ser bastante demorado, porém, quando existe disputa pelo bem essa é a única saída para que o possuidor possa se tornar o legítimo proprietário do imóvel.
O que se busca é que o juiz determine na sentença que o possuidor é o novo dono do imóvel e então com esta sentença, pode-se solicitar o registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, fazendo com que o possuidor se torne o legítimo proprietário do imóvel.
Além disso, com a vigência do Código de Processo Civil de 2015 foi admitida a tramitação da usucapião também pela via extrajudicial, ou seja, diretamente perante o Oficial do Registro de Imóveis do local onde se localiza o imóvel a ser usucapido, conforme previsto no artigo nº 216-A da Lei dos Registros Públicos, a qual traz um extenso rol de documentos que devem acompanhar o pedido.
Ainda, o Provimento nº 65 do CNJ, também indica os procedimentos que devem ser adotados pelas serventias notariais e de registro, quando se tratar do procedimento de usucapião extrajudicial.
8. Conclusão
A usucapião é um importante meio para se regularizar a propriedade em situações onde o bem é indispensável para a moradia, subsistência ou atividade econômica do possuidor.
Ademais, a usucapião também se destaca por ser um importante instituto com finalidade social, ou seja, que busca legitimar o patrimônio daqueles que o necessitam, desde que, preenchidos os requisitos estabelecidos em lei.
É indispensável também sempre analisar a situação e verificar qual a modalidade de usucapião que melhor se encaixa ao caso, observando a existência ou não de documentos comprobatórios, para então definir qual tipo de procedimento adotar.
Caso você tenha se identificado com alguma das situações apresentadas nesse artigo e esteja buscando um suporte jurídico para esse caso, entre em contato conosco para que possamos buscar a melhor solução para você.
Escrito por:
Diádine Gomes, advogada, atuante na área de Direito Imobiliário, no escritório Raul Bergesch Advogados. Diádine está no Instagram como @diadinegomes.adv.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 11 ago. 2021.
BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 11 ago. 2021.
BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm>. Acesso em: 11 ago. 2021.
Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:<https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2021.
A usucapião extrajudicial e o provimento 65/CNJ. Assumpção, Letícia Franco Maculan. Colégio Notarial do Brasil. Disponível em: < http://www.notariado.org.br/blog/certificacao-socioambiental/usucapiao-extrajudicial-e-o-provimento-65cnj>. Acesso em: 11 ago. 2021.
Usucapião por Abandono de Lar: Lei nº 12.424 de 16 de junho de 2011. Alvarenga, Maria Amália de Figueiredo Pereira e Rodrigues, Edwirges Elaine. Revista da Faculdade de Direito de Minas Gerais. Nº 66, jun. 2015. Disponível em: < https://revista.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/1706>. Acesso em: 11 ago. 2021.