Recentemente estive em um jantar promovido por um cliente, um importante player do mercado digital. Todos ali eram empresários do digital. Muitos com faturamentos mensais de múltiplos 7 dígitos.
Em algum momento do jantar, um dos participantes, que estava lá do outro lado da mesa, deu um pulo de entusiasmo, e com o seu celular na mão falou: Nossa! Vocês têm que ver isso! Meus impostos vão cair pela metade!
Enquanto eu saboreava o meu primeiro pedaço de pizza da noite, vi ele vindo em minha direção para me mostrar isso! Afinal, eu era o advogado da mesa.
Antes que ele pudesse falar, já imaginava qual era a solução mágica. Mas aprendi durante a minha jornada a não ter pré-conceitos ou tecer julgamentos antecipados de nada. Afinal, temos que sempre ser receptivos com novas ideias, ouvir, e depois sim formar uma opinião própria.
Prontamente respondi a ele que iria verificar, pedindo mais detalhes. Ele era a quinta pessoa a me apresentar o mesmo questionamento naqueles dias.
Até então, os infoprodutores costumavam me procurar especialmente para resolver problemas já existentes, por contratos não feitos ou mal feitos, investimentos agressivos, ou algum litígio com algum parceiro.
Nos últimos dois meses venho recebendo perguntas sobre questões tributárias. Os players digitais ainda não davam atenção aos impostos, e buscavam soluções mágicas, desde o zeramento de impostos com abertura de empresas em paraísos fiscais até a redução massiva de impostos.
Por um lado, essa preocupação é positiva, pois acredito que o cuidado com impostos faz parte da mentalidade de um empresário. Por outro, me preocupa o fato de muitos buscarem uma solução mágica.
O Fisco sempre avalia os atos de até 5 anos para trás. Ou seja, tudo o que você faz hoje, pode ser questionado em até 5 anos. Olha que bacana: Se você estiver lendo este artigo em 2020, você poderá ser penalizado por um erro cometido em 2015. Você lembra o que você fez contabilmente no mês de dezembro, em 2015? Se emitiu aquela nota fiscal? Se fez um resgate do Hotmart e acabou não tributando? Pois é. O Fisco lembra.
Tenho um caso em que o cliente recebeu uma autuação pela falta de tributação do seu primeiro lançamento, realizado em 2017! Naquela época tudo era novidade para ele, e foi o primeiro 6 em 7 que ele realizou, depois de 3 lançamentos frustrados, mediante a venda de cursos de investimentos.
O dinheiro que entrou foi destinado a cobrir prejuízos e pagar dívidas, além de utilizar o saldo para reinvestimentos em outros lançamentos. Quando se organizou financeiramente, tomou cuidado com a tributação, dali para frente.
E foi no passado que o Fisco autuou! Somado o imposto devido, com multa, juros e correção monetária, a quantia ultrapassou os R$ 400.000,00!!!
Numa visão fiscal, o digital é um mercado recente, e o tempo necessário para que ocorram autuações e processos fiscais ainda está aberto. A maioria dos meus clientes começou a ter resultados nos últimos 4 anos.
Alguns casos já vêm acontecendo, com fiscalizações de auditores de Receita Federal e também da Receita Estadual, que fiscaliza o ICMS. Começa com uma simples ligação, e depois se torna um processo administrativo.
Por experiência, isso não é surpresa. Especialmente agora, que os entes públicos estarão precisando arrecadar. Sabe de quanto foi o déficit da pandemia provocada pelo COVID-19? R$ 861.000.000.000,00 – ou seja, 861 bilhões de reais – 12 múltiplos dígitos.
E você sabe quem vai pagar essa conta? As empresas.
O Governo (aqui entenda como União, Estados e Municípios) terão duas formas de arrecadar mais: Aumentar impostos, o que é uma medida antipopular, ou aumentar a fiscalização contra planejamentos tributários agressivos e também contra a sonegação.
A propósito, em alguns casos existe o risco de processo criminal, especialmente quando existe a evasão de divisas com o uso de offshores e a sonegação de impostos – sonegar é não declarar impostos.
Portanto, tome cuidado ao se deparar com propostas mirabolantes que prometem zero impostos ou a alíquota efetiva de 2,28%.
Existem caminhos para um planejamento tributário que possibilite a redução da carga tributária na venda de e-books e infoprodutos, e para isso você precisa estar disposto a correr riscos. Entretanto, os riscos sempre devem ser calculados! Não quer correr nenhum risco? Tem como, basta seguir o caminho proposto pelo Fisco.
Em 2017, em repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal – STF reconheceu que a imunidade tributária aplicável aos livros também se aplica aos livros eletrônicos – e-books. Com o julgamento, os Estados, que são os responsáveis pela cobrança do ICMS, foram obrigados a adotar esse entendimento.
Logicamente, cada um dos estados ditou as suas próprias interpretações e tratou de limitar a utilização do alcance da imunidade.
Por exemplo, segundo a Resposta à Consulta nº 19663/19, o Estado de São Paulo manifestou o entendimento de que para ter direito à imunidade tributária do ICMS, o e-book deveria representar uma versão eletrônica do que seria considerado um livro em sua concepção usual e clássica; e, além disso, o objeto social da empresa deveria contemplar a atividade (CNAE) de venda de livros digitais, com a correspondente inclusão dessa atividade nos cadastros do CNPJ e da Inscrição Estadual.
Isso quer dizer que todas as operações envolvendo a venda de bens e mercadorias digitais, por meio de transferência eletrônica de dados, que não atendam às especificações acima, estarão sujeitas à incidência de ICMS.
Ou seja, independentemente de os e-books gozarem de imunidade tributária, isso não desobriga a empresa que o comercializa à emissão de Nota Fiscal e todas as demais obrigações acessórias estaduais (GIA, SPED-Fiscal, etc.).
Vale lembrar que o ICMS é um imposto incidente sobre a circulação de mercadorias, mesmo que a circulação ocorra de forma eletrônica. Ou seja, se não ocorrer a transferência do conteúdo de forma definitiva para o consumidor final, não há que se falar em incidência do ICMS e tampouco de emissão de Nota Fiscal de venda de mercadoria. No entanto, se partimos para essa direção, a venda do infoproduto será considerada uma prestação de serviço que, como veremos, tem uma tributação mais alta.
Por exemplo, uma empresa que fornece um login de acesso em que o consumidor final tem acesso a diversos conteúdos on-line, mas sem realizar o download do conteúdo, essa operação está fora da competência dos estados de cobrar o ICMS, já que não houve a circulação do produto digital, mas estará sujeita ao ISS, para o qual não há nenhum tipo de imunidade.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, a alíquota zero de PIS e COFINS aplicável aos livros também se estenderia aos e-books?
Não. Isso porque a Lei nº 10.865/04, que instituiu a alíquota zero para os “livros”, determina que ela só se aplica aos livros que se enquadrem na definição da Lei nº 10.753/03, que é a seguinte:
Art. 2º Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.
Parágrafo único. São equiparados a livro:
I – fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro;
II – materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar;
III – roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas;
IV – álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar;
V – atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e cartogramas;
VI – textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte;
VII – livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual;
VIII – livros impressos no Sistema Braille.
Dessa forma, considerando que as normas tributárias devem ser interpretadas de forma literal e restritiva, podemos dizer que só se aplica a alíquota zero de PIS e COFINS aos e-books quando forem para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual.
Outra hipótese em que se aplica a alíquota zero de PIS e COFINS aos e-books é quando o seu conteúdo derivar de um livro publicado no formato tradicional, ou de originais de livro ainda não publicado, desde que a obra seja produzida por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor. Exemplo: as mídias digitais que acompanham os livros impressos e que contenham conteúdo idêntico, parcial ou suplementar ao da obra física (ainda que não seja para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual), também gozam de alíquota zero de PIS e COFINS.
Esse é o entendimento da Receita Federal, conforme a Solução de Consulta nº 393/17.
TRIBUTAÇÃO NA VENDA DE INFOPRODUTOS
A maioria dos infoprodutos consiste em uma prestação de serviços (ex: cursos, videoaulas, mentorias, etc.). O problema é que os serviços são tributados pelo ISS e não há nenhum tipo se imunidade tributária aplicável a esses serviços.
Portanto, para que você possa aplicar a imunidade do ICMS, você precisa caracterizar o seu infoproduto como venda de mercadoria. Como já disse anteriormente, o fisco estadual tem uma série de requisitos para considerar a operação como venda de e-book. Se você não seguir todos esses requisitos à risca, você estará colocando a sua empresa em risco.
Agora veja a comparação da carga tributária incidente sobre um infoproduto no geral (caracterizado como uma prestação de serviço) em comparação com a venda de um e-book (caracterizado como uma venda de mercadoria digital):
Se considerarmos a alíquota zero de PIS e COFINS, o que é indicado apenas caso o conteúdo seja disponibilizado para pessoas com deficiência visual, chegamos a 2,28% de tributação na venda de e-books.
Esse artigo é direcionado a empresas com faturamentos maiores, mas, a título de informação, a alíquota do Simples Nacional para uma empresa de infoprodutos optante pelo Simples Nacional inicia em 6,00%.
Portanto, o risco tributário com essa escolha, ao meu ver, é apenas na medida de quando você será autuado. Veja, QUANDO, e não SE será autuado.
CUIDADOS ESPECIAIS NA VENDA DE E-BOOKS
Em todos os casos que avaliei, ninguém considerou os requisitos para poder se beneficiar da imunidade.
Então você soube que e-books pagavam uma tributação menor e relaxou. Um belo dia, você recebe uma ligação fria de um fiscal da Receita, questionando sobre a sua operação, e fica se perguntando: Oras, mas eu realmente vendo e entrego e-books, por que isso aconteceu?
A indicação era apenas aplicar o entendimento, e só.
Quer saber quais são os requisitos para se beneficiar da imunidade de ICMS e ter uma redução tributária?
Um check-list rápido:
1 – VOCÊ ENTREGA UM LIVRO TRADICIONAL EM FORMATO ELETRÔNICO?
O fiscal irá analisar se o e-book de fato é um livro em formato eletrônico.
Se houver qualquer elemento que não estiver de acordo com a definição “livro tradicional em formato eletrônico”, você será autuado. E lembre-se: a cobrança pode retroagir 5 anos.
2 – COMO É A COMUNICAÇÃO DA SUA OFERTA AO PÚBLICO?
Um ponto crucial é a forma que os textos de venda dos produtos são elaborados, e a forma que o produto é apresentado ao público.
Para que a operação seja enquadrada como venda de e-book, é importante que você oferte um e-book, e de maneira condizente nas diversas plataformas disponíveis.
A maioria das plataformas de venda de infoprodutos possui uma classificação própria para e-books. Além de criar o anúncio na classificação correta, é importante que toda a comunicação sobre o produto seja condizente com a de “livro tradicional em formato eletrônico”.
Vale lembrar que algumas plataformas possuem um sistema de trava, em que o e-book tem um limite de valor, o que complica alguns planejamentos mais agressivos.
3 – QUAL É O PREÇO DO E-BOOK?
É importante que o preço do e-book siga parâmetros normais de mercado.
Por exemplo, não adianta vender um e-book por R$ 1.000,00 no qual o cliente “ganha de brinde” um curso online totalmente gratuito.
Pesquise por livros da mesma categoria que o seu e-book. Se o seu produto estiver muito acima ao preço de mercado, você corre risco de ser autuado.
4 – COMO É O DOWNLOAD DO E-BOOK?
Para que a operação de venda de e-book seja considerada como venda de mercadoria, é necessário que o cliente faça o download do e-book de forma “definitiva”, ou seja, é necessário que haja a “circulação da mercadoria” para que seja concretizada a venda.
Portanto, não basta apenas disponibilizar o acesso ao conteúdo do e-book. O cliente precisa, obrigatoriamente, fazer o download. E você precisará ter prova disso.
5 – VOCÊ ADICIONOU O CNAE DE VENDAS DE LIVROS ELETRÔNICOS AO CONTRATO SOCIAL?
É importante que a sua empresa tenha o objeto social de edição e venda de livros digitais.
Consequentemente, o CNPJ da empresa deve conter os seguintes CNAEs: 5811-5/00 (Edição de livros) e 4761-0/01 (Comércio varejista de livros); além de obter a Inscrição Estadual junto à Secretaria da Fazenda do seu Estado.
Um negócio digital que não se utiliza da imunidade de ICMS normalmente não possui Inscrição Estadual. No entanto, a partir do momento que você oficializa a atividade de comércio de livros digitais, a sua empresa passa a entrar no “radar” de mais um ente governamental, que é a Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz) em que a sua empresa está sediada.
6 – VOCÊ SE INFORMOU SOBRE A EMISSÃO DA NOTA FISCAL CORRETA E DAS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS?
Uma vez que a sua empresa se torna um “comércio de livros digitais”, passa a ser necessário emitir Nota Fiscal de Venda de Mercadoria sempre que você vender um e-book.
Note que a emissão de Nota Fiscal de Venda de Mercadoria é bem mais complexa do que a Nota Fiscal de Serviço. Além disso, a sua empresa passa a estar obrigada a entregar uma série de obrigações acessórias para o fisco estadual, como a GIA, o SPED-Fiscal, etc.
7 – VOCÊ REGISTROU O SEU E-BOOK?
Para que você assegure os direitos literários da obra que será comercializada, é importante registrar o e-book no ISBN (International Standard Book Number System).
O registro no ISBN atualmente é realizado pela Câmara Brasileira do Livro, sendo que é possível registrar quaisquer textos ou criações autorais que saíram do campo das ideias e foram materializados. Ou seja, não é possível registrar ideias que ainda não tenham sido materializadas ou que contenham obras de terceiros.
Assim, além de evidenciar que o seu e-book realmente se trata de um “livro tradicional em formato eletrônico”, você garante que outras pessoas não irão plagiar o seu conteúdo.
CONCLUSÃO
Se você não cumpriu os requisitos acima, sinto lhe dizer meu caro, você será multado, e sim, será necessário arcar com uma multa elevada, que pode chegar até 200% do valor do imposto devido!
Para que você possa utilizar a imunidade tributária na venda de livros eletrônicos (e-books) é importante que você esteja atento a todos os requisitos do fisco para não colocar a sua empresa em risco.
Se você utilizar artifícios para se aproveitar indevidamente dessa imunidade tributária e o fisco detectar, isso pode ser caracterizado como uma sonegação fiscal, que é um crime previsto em lei e sujeito a sanções penais.
Fique atento! Muitas empresas do mercado estão oferecendo essa solução, como se fosse algo sem riscos ou consequência, e ainda sem que nenhum cuidado seja tomado!
Como visto, os riscos existem, e são evidentes! Procure contar com uma assessoria especializada para que você tenha segurança na sua empresa, e não caia no conto do vigário!
Escrito por:
Raul Bergesch, advogado e diretor, atuante na área de Direito Empresarial, no escritório Raul Bergesch Advogados. Raul está no Instagram como @raulbergesch.